18.01.21

Compulsão alimentar e ansiedade: um círculo vicioso

Por Dr. Régis Chachamovich (Psiquiatra)*

Artigo

Psiquiatra traz alerta para alimentos que são mais nocivos para quadros de ansiedade e compulsão; alimentos ricos em açúcar ativam o mesmo “sistema de recompensa” no cérebro se comparado a drogas como a cocaína

Compulsão alimentar e ansiedade são dois temas que têm ganhado cada vez mais a atenção tanto de profissionais de saúde quanto da população em geral. Esse fato é plenamente justificável por diversos motivos; talvez os principais sejam o grande aumento da prevalência dessas condições nos últimos anos e a observação empírica da relevância desses problemas na saúde das pessoas de uma forma geral.

Muito se fala sobre compulsão alimentar e sobre ansiedade, e algumas coisas já viraram pontos comuns, quase folclóricos, como o fato de muitas pessoas dizerem que, quando estão ansiosas, “descontam na comida”. Aqui há um ponto muito importante a ser considerado quando se leva em conta tanto a compulsão alimentar quanto a ansiedade: tanto as pessoas que “descontam na comida”, quanto as que têm episódios de compulsão alimentar, recorrem a tipos específicos de comida.

É comum que se caracterize os episódios de compulsão como o consumo de uma quantidade significativamente maior de calorias do que o habitual num espaço curto de tempo, assim como se diz que normalmente se desconta a ansiedade em alimentos muito calóricos. O ponto em comum seria a grande quantidade de calorias dos alimentos aos quais se recorre. No entanto, a observação empírica e algum conhecimento sobre nutrição básica refutam essa ideia. Quase invariavelmente, esses alimentos são altamente processados, ricos em açúcar e gorduras. Sabemos que os carboidratos (açúcar, por exemplo) têm 4 calorias/grama, enquanto a gordura tem 9 calorias/grama, ou seja, se o impulso fosse por grande quantidade de calorias primariamente, a busca seria por alimentos com a maior quantidade possível de gorduras.

Isso é extremamente importante por vários motivos, e quero abordar alguns deles brevemente neste artigo. O primeiro deles é que sabemos que tanto o “descontar na comida” quanto os episódios de compulsão alimentar têm um caráter de uma tentativa de mitigar um estado de angústia significativa, algo similar a quando se faz uso de álcool ou outras drogas, e para isso o que importa não é a quantidade de calorias que um alimento tem, mas a capacidade de gerar um estado de prazer (ou evitação de angústia) muito intenso.

Alimentos ricos em gorduras e pobres em carboidratos, com carnes e ovos por exemplo, não têm esse efeito; são alimentos ricos em açúcar que o têm, especialmente se combinados com grandes quantidades de gorduras, conferindo ao mesmo tempo intensa capacidade de ativação do sistema de recompensa (o mesmo que é hiperestimulado quando se usa cocaína ou crack, por exemplo) e hiperpalatabilidade (essas comidas têm um sabor artificial muito mais prazeroso do que qualquer alimento não processado).

Do ponto de vista metabólico, o que acontece quando se consome grandes quantidades de alimentos ultra processados ricos em açúcar e gorduras é um curto período de tempo de grande ativação do sistema de recompensa, e de picos de glicemia, o que confere intensa sensação de prazer e de evitação da ansiedade. No entanto, a duração da ativação do sistema de recompensa é curta, e há um efeito rebote, ou seja, uma “fissura” (intensa ansiedade) por “mais uma dose”. Ao mesmo tempo, junto com o pico de glicemia, há um pico de insulina para baixar os níveis de glicose no sangue, e essa queda da glicose é brusca. Essa queda brusca de glicemia funciona como um sinalizador para o corpo de que há um iminente estado de hipoglicemia prestes a acontecer, e o corpo entra em estado de estresse, com ativação de hormônios e neurotransmissores relacionados ao estresse (e à ansiedade). A consequência, como se pode ver, é o aumento do estado de ansiedade e angústia, gerando um novo ciclo de busca quase desesperada pelas mesmas comidas que desencadearam esse ciclo de prazer/evitação da ansiedade e posterior estado de mais ansiedade ainda.

Há um termo em inglês que me parece muito pertinente: “food addiction” (ou adição a comida). A origem do termo “adição” remete ao latim e significa “escravização”. Quando descrevemos os efeitos que os alimentos ultra processados ricos em açúcares e gorduras promovem no organismo, não é difícil imaginar o estado de escravização que muitas pessoas desenvolvem com esses alimentos. Estabelece-se um círculo de comer grandes quantidades desse tipo de alimentos para tentar mitigar estados de ansiedade, obter um alívio momentâneo seguido de um estado de mais ansiedade, e novo impulso para consumir mais desses mesmos alimentos buscando o mesmo efeito inicial.

Quando pensamos em como tratar estas condições, na minha opinião devemos levar em conta todos estes aspectos. Se reconhecemos que estes são alimentos que têm um grande potencial aditivo (ou seja, de viciar), a recomendação de consumir estes mesmos alimentos em pouca quantidade perde completamente o sentido. Como podemos estar viciados em qualquer substância ou comportamento e a recomendação ser de buscarmos essa mesma substância ou comportamento com moderação? Ninguém pensaria assim com adição a cocaína, crack, jogos eletrônicos ou pornografia, por exemplo.

Para quebrar esse círculo vicioso, há que se “atacar” em duas frentes, ao meu ver. Por um lado, a abstinência dos alimentos que têm o potencial de adição, notadamente os ricos em carboidratos refinados (alimentos ricos em gorduras e pobres em carboidratos, como carnes e ovos, raramente tem esse potencial viciante). Por outro lado, a busca por alternativas que possam diminuir níveis de ansiedade a médio e longo prazo, sustentáveis e saudáveis, que confiram sensações naturais de prazer e satisfação, ao invés de sensações artificialmente “turbinadas” que perpetuam esse círculo vicioso.

Talvez um bom ponto de partida seja uma atitude de autorreflexão, algo como uma exploração do próprio funcionamento mental, para pensar se algo parecido com isso está acontecendo, e a partir daí buscar meios de reverter esses processos.

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Dr. Régis Chachamovich

Psiquiatra e Psicoterapeuta


Psiquiatra e Psicoterapeuta, com atuação em Psiquiatria Nutricional, e sócio do Movimento Brasil Low Carb. Régis Chachamovich é especialista em Prática Clínica Low Carb High Fat / Keto, Reversão do Diabetes e Reversão da Obesidade pela The Noakes Foundation (África do Sul), e possui formação em Low Carb / Keto no tratamento de Doenças Mentais.

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