27.08.20

Como laticínios e gordura podem salvar sua vida

Um novo estudo confirma décadas de pesquisas: as gorduras saturadas são boas para o coração. Então, por que as diretrizes ainda promovem uma dieta sem gordura?

Notícia

Por Mark Whittaker

Você provavelmente não viu que, há algumas semanas atrás, uma respeitada publicação científica dos Estados Unidos – o Journal of the American College of Cardiology (JACC), nada menos – publicou uma revisão da literatura dizendo que não havia evidências de que cortar gorduras saturadas de sua dieta o ajudaria a viver mais. E que comer mais dos tão difamados lipídios – encontrados mais abundantemente em carnes vermelhas e laticínios – pode ajudar a evitar derrames.

Que você não tenha lido isso, não é surpresa. É um em uma longa lista de ensaios, estudos, revisões e meta-análises que encontraram resultados semelhantes e seguiram o mesmo caminho – afundado sem deixar vestígios, ignorado pelas pessoas que elaboram nossas diretrizes dietéticas.

Esta questão foi colocada em foco no mês passado, quando o cirurgião oftalmologista Dr. James Muecke, australiano do ano em 2020, escreveu no Canberra Times: “Uma orientação alimentar falha, que seguimos obediente e cegamente por 40 anos, está literalmente nos matando. Fomos encorajados a comer menos gordura e consumir mais carboidratos e, ainda assim, nunca estivemos mais gordos, nossos dentes nunca mais estragados e o diabetes tipo 2 e suas complicações nunca foram tão prevalentes”.

O Ministro Federal da Saúde, Greg Hunt, respondeu autorizando o dispêndio de US $ 2,5 milhões para revisar as diretrizes que foram atualizadas pela última vez em 2013.

Então, do que Muecke está falando? Certamente a gordura é ruim e a gordura saturada é pior.

O artigo do JACC listou alguns dos artigos recentes que contradizem essas “certezas” dietéticas. Houve o estudo PURE (Prospective Urban Rural Epidemiological) de 135.000 pessoas de 18 países em cinco continentes. Ele descobriu que o aumento do consumo de todos os tipos de gordura (saturada, monoinsaturada e polinsaturada) estava associado a um menor risco de morte e tinha uma associação neutra com doenças cardiovasculares. Em contraste, uma dieta rica em carboidratos foi associada a um maior risco de morte. E aqueles que comeram mais gordura saturada tiveram menor risco de acidente vascular cerebral, “consistente com os resultados de meta-análises de estudos de coorte anteriores”. Um estudo recém-publicado com 195.658 britânicos ao longo de 10,6 anos não encontrou “nenhuma evidência de que a ingestão de gordura saturada estava associada a doenças cardiovasculares. Em contraste, a substituição de gordura polinsaturada por saturada foi associada a maior risco de doenças cardiovasculares.”

Esses são exemplos de que epidemiologia que só podem provar associações, não causalidade. Para isso, você precisa de ensaios randomizados, que são caros e difíceis. Apenas oito estudos deste tipo foram realizados, questionando se a gordura saturada causaria doenças cardíacas. Os autores do artigo publicado no JACC analisaram as seis revisões sistemáticas e meta-análises mais recentes desses ensaios clínicos randomizados. Eles escreveram que “os resultados mostraram que a substituição da gordura saturada por gordura poliinsaturada não tem efeito significativo nos resultados coronários ou na mortalidade total”.

Você também pode ter perdido uma história fascinante sobre a morte de 63 homens de meia-idade em Sydney no início dos anos 1970. Aconteceu no auge de uma epidemia de ataques cardíacos. Homens de meia-idade estavam caindo como moscas, aparentemente no seu auge. Esta “epidemia” atingiu seu pico em 1968, quando 55% de todas as mortes na Austrália foram devidas à doenças cardíacas (em comparação com cerca de 27% hoje).

A teoria que capturou o debate foi a de que as gorduras saturadas entupiam suas artérias como banha em um cano de esgoto. Nunca havia sido provado, mas todos pensaram que provavelmente era verdade, da mesma forma que a maioria das pessoas ainda pensa que é.

Os pesquisadores do Hospital Prince Henry de Sydney queriam provar que, ao dar gorduras polinsaturadas em vez de gorduras animais a um grupo de homens que acabara de sobreviver a ataques cardíacos, eles reduziriam o seu colesterol e prolongariam suas vidas.

Eles reuniram quase 500 sobreviventes de ataques cardíacos em Sydney e deram à metade deles óleo de açafrão e margarina Miracle – feita de óleo de açafrão – e os aconselharam a reduzir o consumo de gorduras animais. Eles não deram nada à outra metade. Como esperado, os homens que receberam óleo, margarina e conselhos baixaram o colesterol no sangue significativamente mais do que os que ainda comiam o que normalmente se comia em meados dos anos 70 na Austrália.

Inesperadamente, no entanto, desde o início, e ao longo dos cinco anos do estudo, os pesquisadores viram que o grupo da margarina tinha 50% mais probabilidade de morrer do que o grupo da manteiga, da carne e três vegetais (dieta popularmente adotada como saudável na época). Os pesquisadores procuraram fatores de confusão como tabagismo, peso, idade e exercícios, mas não encontraram nada que pudesse dar sentido a esses números. “Naquela época, o conhecimento clínico e bioquímico não nos permitia interpretar nossos resultados”, lembra o Dr. Boonseng Leelarthaepin, que era o aluno de doutorado que fez todo o trabalho do estudo.

O financiamento que havia apoiado o estudo – do Fundo de Pesquisa Médica de Seguros de Vida da Austrália e Nova Zelândia – secou e eles estavam sob pressão para apenas concluí-lo, diz Leelarthaepin. Ele nega sugestões recentes de que a empresa Marrickville Margarine tenha colocado um aperto financeiro sobre eles devido à forma como os resultados estavam caminhando.

“Eles não foram um patrocinador significativo”, disse ele. Quando o estudo foi publicado em 1978, incluía apenas números de mortalidade total e não números específicos de ataques cardíacos. Eles descobriram que a mortalidade total era um número mais importante do que as mortes por ataque cardíaco, mas não incluir os números de ataque cardíaco tornava mais fácil ignorá-los.

Embora tenham provado que margarina e óleos vegetais baixam o colesterol, o Sydney Diet Heart Study, assim como o concomitante estudo cardíaco de Londres, foi visto como um fracasso porque não provou a “hipótese lipídica” – que reduzir o colesterol na corrente sanguínea de uma pessoa ao diminuir sua ingestão de gordura saturada preveniria doenças cardíacas. Mas não importou porque, mesmo então, a gordura saturada já havia sido condenada no tribunal de opinião científica e popular. O estudo de Sydney tornou-se uma mera nota de rodapé confusa na literatura.

Avançando trinta anos: O Dr. Chris Ramsden, um cientista do Instituto Nacional de Saúde dos EUA, defendeu a teoria de que a razão pela qual alguns estudos mostraram um benefício em trocar gorduras animais por gorduras polinsaturadas – enquanto outros não – foi porque algumas gorduras polinsaturadas têm Ômega 3. Dos oito estudos controlados randomizados que foram feitos, cinco deles usaram óleos que continham ômega 3 e ômega 6 e tenderam a mostrar um pequeno benefício para o grupo de estudo – especialmente aqueles que receberam grandes quantidades de óleo de peixe, de elevado teor de ômega 3. Então, Ramsden precisava saber o que aconteceu com os outros. Houve um pequeno ensaio com 54 pessoas usando óleo de milho. Cinco pessoas do grupo do óleo de milho morreram, em comparação com apenas uma pessoa do grupo que não recebeu aconselhamento. Embora esses números fossem nítidos, também eram muito pequenos. É aí que o estudo de Sydney se tornou crucial. Não havia óleos ômega 3 no óleo de açafrão ou na margarina Miracle.

A versão publicada do estudo, no entanto, era carente de muitos dados e não tinha informações sobre mortes por doenças cardíacas, apenas mortalidade por todas as causas. Ramsden precisava de mais. Ele tentou entrar em contato com os pesquisadores principais, mas todos estavam mortos e seu hospital era agora um conjunto habitacional à beira-mar. Ele encontrou alguns parentes prestativos que vasculharam caixas empoeiradas para ele, mas voltaram de mãos vazias. Então, cerca de um ano depois, ele encontrou o Dr. Leelarthaepin na Internet. Leelarthaepin disse a Ramsden que a razão pela qual não publicaram as estatísticas de doenças cardíacas era que o dinheiro havia secado e ele precisava concluir o trabalho. As estatísticas eram difíceis na “idade das trevas” dos computadores. Leelarthaepin vasculhou sua garagem no subúrbio de Matraville, no sul de Sydney, em meio aos detritos que se acumulam ao longo de 30 anos em uma única casa. E lá estava ela, uma fita de 9 trilhas de um computador IBM 360 que continha todos os dados lidos de cartões perfurados, que era o modo como se podia introduzir dados no computador naqueles tempos.

Ramsden enviou a fita para a Califórnia para ser convertida para a linguagem computacional contemporânea, ainda sem saber o que poderia encontrar, mas quando voltou, suas expectativas foram superadas. Ele viu um estudo bem organizado, com acompanhamento dos níveis de colesterol, junto com pesquisas dietéticas feitas a cada quatro a seis meses para que se soubesse o que todos os homens estavam comendo e detalhes sobre os 63 que morreram.

“Um dos pontos fortes do Sydney Diet Heart Study é que eles usaram recordatórios alimentares de sete dias, tanto no início do estudo quanto em intervalos regulares, durante sete anos”, disse Ramsden. “Então, na fita em que consegui recuperar do Boonseng, eles avaliaram a ingestão PUFA (ácido graxo polinsaturado) em cada intervalo de tempo.”

Usando métodos estatísticos modernos, Ramsden confirmou que as gorduras polinsaturadas reduziram o colesterol em uma média de 13 por cento, mas 17 por cento das pessoas que fizeram dieta morreram, em comparação com apenas 11 por cento dos que ficaram na manteiga e banha.

Crucialmente para Ramsden, quando ele analisou os números de mortalidade por doenças cardíacas, eles se acumularam na mesma proporção que os números de mortalidade por todas as causas.

Um dois problemas foi que alguns dos participantes do grupo de controle (dieta livre) assumiram o controle de sua própria saúde e seguiram o que estava se tornando o conselho médico padrão: mudar para óleos vegetais e margarinas. Graças aos recordatórios alimentares preenchidos, Ramsden foi capaz de determinar que, ao fazer isso, eles realmente aumentaram suas chances de morrer, “levando a uma subestimação dos efeitos adversos da intervenção”.

Com os resultados obtidos contribuindo para uma revisão mais ampla da literatura, Ramsden foi capaz de concluir que cortar a gordura saturada “não mostrou nenhuma evidência de benefício cardiovascular. Estas descobertas podem ter implicações importantes, resultando num aconselhamento alimentar mundial para substituir o ácido linoleico ômega 6, ou gorduras poli-insaturadas em geral, por gorduras saturadas”.

Os EUA estão em processo de atualização de suas diretrizes dietéticas e, a julgar por um artigo preliminar divulgado na semana passada, não usarão o artigo do JACC, tampouco o estudo Sydney Heart ou qualquer um dos estudos randomizados controlados sobre gordura saturada. Um porta-voz do Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da Austrália disse que é muito cedo para dizer quais estudos serão considerados na revisão australiana. “As evidências encontradas para atender aos padrões de qualidade definidos pela revisão serão sintetizadas e traduzidas no contexto australiano e examinadas por meio dos rigorosos processos de desenvolvimento de diretrizes do NHMRC. Isso inclui garantir que o desenvolvimento de quaisquer recomendações seja baseado no corpo de evidências e não determinado por estudos individuais”.

O NHMRC solicitará inscrições nas próximas semanas, disse o porta-voz.

Para o Dr. Muecke, é uma equação simples. Cinquenta anos de demonização da gordura levaram ao consumo excessivo de açúcar e carboidratos refinados, causando uma explosão de diabetes tipo 2 e cegueira. O diabetes é a principal causa de cegueira em australianos em idade produtiva. Ele prometeu mudar as diretrizes dietéticas erradas. “O artigo do JACC confirma que não há ligação entre as gorduras saturadas da dieta natural e as doenças cardiovasculares, que incluem alimentos como laticínios integrais, ovos, carne não processada e chocolate amargo, o que é bom. É um estudo poderoso e deve colocar o problema de lado para sempre”.

Ele aponta que o diabetes matou mais de 5.000 australianos durante os primeiros três meses de COVID-19, período durante o qual o vírus matou 102 pessoas.

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