06.04.21

Saúde mental: a dieta cetogênica como opção terapêutica para o tratamento do transtorno bipolar

Artigo

O último dia 30 de março marcou o Dia Internacional do Transtorno Bipolar. A data coincide com o nascimento de Vincent van Gogh, pintor holandês que se supõe ter sido portador dessa condição. Atualmente, as estimativas dão conta de que, no Brasil, aproximadamente 6 milhões de pessoas têm esse diagnóstico.

O transtorno Bipolar tipicamente tem seu início no final da adolescência ou começo da vida adulta, e seu manejo representa um desafio para o portador, seus familiares e amigos, bem como para os profissionais de saúde mental. Normalmente, essa doença é considerada como tendo um caráter crônico, com a necessidade de tratamento contínuo por longos períodos de tempo, frequentemente por toda a vida.

As características típicas são a ocorrência de períodos chamados de “mania” ou “hipomania”, e outros períodos de depressão, intercalados com períodos de normalidade. Os períodos de mania ou hipomania (as principais diferenças entre eles dizem respeito à intensidade e duração do quadro) têm como características: elevação do humor, aceleração da atividade mental, irritabilidade, diminuição da necessidade de sono, aumento da velocidade da fala e alterações de comportamento que frequentemente colocam a pessoa em situações de risco.

Os períodos de depressão têm como características principais tristeza intensa, falta de prazer em atividades que normalmente dão prazer, desânimo, choro fácil e frequente, falta de energia, pensamentos com conteúdo negativista.

É extremamente importante aproveitar a data para mitigar o preconceito e a discriminação contra as pessoas que sofrem com transtornos mentais.

Além disso, essa é uma ótima oportunidade para abordar os tratamentos disponíveis e, especialmente, as alternativas terapêuticas que podem acrescentar muito para os pacientes. Tradicionalmente, o tratamento baseia-se no uso contínuo de medicações, entre as quais se destacam os chamados estabilizadores do humor e os antipsicóticos (esses também frequentemente têm funções de estabilizadores do humor). Exemplos dos estabilizadores de humor mais utilizados são o Carbonato de Lítio e o Ácido Valpróico ou Valproato de Sódio. Entre os antipsicóticos, usa-se com frequência a Quetiapina, a Risperidona, o Aripiprazol, a Lurasidona, entre outros.

O que costumamos ver na prática clínica é uma grande variação em relação ao efeito do tratamento, à resposta de cada paciente aos tratamentos propostos e especialmente ao grau de satisfação e à qualidade de vida que os pacientes obtêm. Vemos com mais frequência do que gostaríamos pacientes que não tem boa resposta ao tratamento, que seguem tendo crises frequentes, ou que apresentam melhora parcial, com diminuição das crises, mas com prejuízos significativos na qualidade de vida.

Em outros casos, as crises são controladas, mas permanece um estado depressivo leve que se “arrasta” por muito tempo. Há, ainda, situações em que os principais sintomas ficam sob controle, porém às custas de efeitos adversos que podem trazer incômodos por vezes significativos para os pacientes. Esses casos em que não há melhora significativa com os tratamentos nos fazem pensar na utilidade de termos outras ferramentas terapêuticas disponíveis, a fim de ampliar as possibilidades de tratamento e obter melhores resultados. É justamente aí que surge a possibilidade de pensarmos na abordagem alimentar cetogênica como opção terapêutica.

A dieta cetogênica é um estilo de alimentação que promove poderosas alterações no metabolismo do corpo como um todo, e especialmente no metabolismo cerebral. O que a ciência tem mostrado com cada vez mais dados é que estas alterações são altamente benéficas em um número crescente de situações, entre elas os Distúrbios Mentais.

Há evidências preliminares, relatos de casos, que dão conta de pessoas com Transtorno Bipolar e Transtorno Esquizoafetivo (uma forma intermediária entre o Transtorno Bipolar e a Esquizofrenia) que obtiveram melhoras significativas com a implementação da dieta cetogênica. Quando procuramos o que chamamos de relatos anedóticos (pessoas que relatam seus casos, não publicados em periódicos especializados) encontramos uma quantidade enorme de pessoas relatando graus importantes de melhora com essa estratégia.

Os mecanismos pelos quais a dieta cetogênica melhora o funcionamento cerebral são em boa parte conhecidos, embora as pesquisas têm mostrado cada vez mais novidades nesse campo. Alguns mecanismos amplamente aceitos pela comunidade científica como estando na base de diversas doenças neuropsiquiátricas, entre elas o Transtorno Bipolar, são a inflamação crônica em nível do Sistema Nervoso Central, a diminuição da produção de energia proveniente da glicose e a Resistência à Insulina em nível cerebral, desbalanços de neurotransmissores, o aumento do que chamamos de estresse oxidativo, entre outros. O que a ciência mostra, com cada vez mais dados, é que a dieta cetogênica tem o potencial de atuar em diversos destes mecanismos, o que confere a essa estratégia um espectro de ação significativamente mais amplo do que as medicações hoje disponíveis, com chances muito reduzidas de efeitos adversos.

Por fim, penso que cabe fazer duas “ressalvas”. A primeira, é de que os medicamentos tradicionais que nós psiquiatras usamos têm um papel muitas vezes definitivo em diversos casos, e não deve haver uma batalha entre usar medicamentos ou usar a dieta cetogênica. É sempre necessária uma avaliação individual para determinar, em conjunto com o paciente, qual o melhor caminho a seguir, levando em conta tanto as preferências pessoais quanto as indicações ou não de determinada abordagem.

A segunda ressalva é a de que, embora essa abordagem seja de uma maneira geral bastante segura para a imensa maioria das pessoas, nos casos em que ela é usada para o tratamento de distúrbios mentais há que se ter alguns cuidados importantes no que diz respeito à implementação e fase de adaptação, ao manejo das medicações em uso, e ao acompanhamento de alguns parâmetros. Portanto, nestes casos, é fundamental que se tenha o acompanhamento de um profissional com conhecimento sobre a doença e sobre o manejo da alimentação.

Referências:

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23030231/

https://www.researchgate.net/publication/313320019…

https://www.chrispalmermd.com/ketogenic…

Imagem: Freepik

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Por

Dr. Régis Chachamovich

Psiquiatra e Psicoterapeuta


Psiquiatra e Psicoterapeuta, com atuação em Psiquiatria Nutricional, e sócio do Movimento Brasil Low Carb. Régis Chachamovich é especialista em Prática Clínica Low Carb High Fat / Keto, Reversão do Diabetes e Reversão da Obesidade pela The Noakes Foundation (África do Sul), e possui formação em Low Carb / Keto no tratamento de Doenças Mentais.

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