02.03.21

[Entrevista] Cardiologista Fernando Graça Aranha: “O papel central do médico é tentar despertar o paciente”

Entrevista

Entrevistamos o cardiologista Fernando Graça Aranha, diretor técnico do hospital SOS Cardio, um dos principais centros cardiológicos de Santa Catarina, que conheceu a dieta low carb em 2016 e de lá pra cá viu a sua vida – pessoal e profissional – passar por grandes transformações. O começo do seu mergulho no tema foi através de um dos livros publicados pelo Dr Jason Fung: “foi transformador na minha vida, conhecimento valiosíssimo que eu não adquirira durante a faculdade ou a minha vida de médico; conhecimento que simplesmente fora negligenciado ou mesmo omitido”.

O Dr Fernando também é especialista em Medicina Intensiva (AMIB), coordenador geral da UTI do hospital SOS Cardio e ainda Diretor de Publicações Científicas da Associação Catarinense de Medicina (ACM).

Como começou a sua relação com a low carb? E como foi essa transição em casa e no consultório?

Minha relação com a dieta Low Carb, incluindo a Cetogênica, se iniciou no segundo semestre de 2016. Um colega médico intensivista e nutrólogo de vastíssimo conhecimento na área, chamado José Roberto Diener, conversava comigo e tentava me introduzir no assunto desde antes, mas eu nunca tinha me interessado. Naquela época, eu estava obeso e me sentindo muito mal, indisposto, desconcentrado, sem energia. Foi quando em uma das conversas me interessei mais, e o Diener me sugeriu a leitura de um livro chamado “The Complete Guide to Fasting”, escrito por um médico nefrologista de Toronto chamado Jason Fung em parceria com outro autor chamado Jimmy Moore.

Li o livro em poucos dias; foi transformador na minha vida, conhecimento valiosíssimo que eu não adquirira durante a faculdade ou a minha vida de médico; conhecimento que simplesmente sempre fora negligenciado ou mesmo omitido. Se seguiram vários outros livros sugeridos pelo amigo Diener e muitos artigos. Mudei imediata e radicalmente minha forma de ver a alimentação e principalmente de me alimentar desde o primeiro momento. Fiquei apaixonado pelo assunto. Meu interesse era tanto que este era meu tópico preferido em qualquer conversa, coisa que muito provavelmente foi enfadonho para muitos dos meus interlocutores, inclusive meus familiares (eu só falava nisso…).

Na minha casa há uma pessoa que cozinha muito bem chamada Márcia e logo ela entendeu os conceitos todos do que eu planejava para minha alimentação, e isso foi um agente facilitador para a minha adaptação e sucesso. Em poucas semanas eu já perdera muito peso, ficara mais disposto e saudável. Minha mulher Adriana e meus filhos ouviram e ainda ouvem muito sobre o assunto… com interesse e paciência variáveis, e aderiram da forma parcial e irregular aos conceitos que eu propalava. Como este é um dos meus assuntos preferidos sobre saúde (até porque sem dúvida é o tópico mais importante, central mesmo) eu sempre falo sobre isso com meus pacientes, notadamente com os que demandam tal abordagem ou com os que sinto que teriam maior benefício em mudança alimentares. Nem todos se interessam ou entendem a enorme importância. Entendo como papel central do médico tentar despertar o paciente.

Foi difícil vencer certos tabus/preconceitos que estão tão impregnados na classe médica, e até hoje são senso comum entre os médicos?

Já há uma mudança grande entre 2016 e agora. No (meu) início do assunto era bem mais difícil abordá-lo com os colegas face ao ceticismo ante o desconhecido e diferente. Dogmas com os quais fomos sempre ensinados e nos acostumamos não são fáceis de serem demolidos. Hoje a informação é muito mais sólida e divulgada tornando a tarefa mais fácil, mas ainda há grande resistência por inúmeras razões.

Como cardiologista, como os pacientes recebem a informação de que gordura saturada não é responsável por doenças cardiovasculares?

Muitos recebem com surpresa, pois os conceitos anteriores foram “empurrados” de forma insistente e ininterrupta por mais de 50 anos; há sempre que se dispensar um bom tempo na consulta para explicar detalhadamente este assunto. Mas uma consulta para isso em geral é pouco, o esclarecimento demanda muito mais informação e, naturalmente, depende do interesse do cliente.

Além dessa informação acima, alguma outra informação que tenha gerado surpresa e até dúvida por parte de pacientes?

A questão do caráter não fundamental dos carboidratos, principalmente nas quantidades ingeridas, muitas vezes causa surpresa e até desconfiança. Outra coisa que muitos estranham (mas vários já tem sedimentado este conceito felizmente) é o fato dos óleos vegetais prensados “a quente” serem nocivos à saúde.

Como foi implementar tamanha mudança nas dietas alimentares dos pacientes do Hospital SOS Cardio?

A mudança alimentar no Hospital SOS Cardio ainda é incipiente, um sonho no qual estamos apenas começando a trabalhar. Já temos disponíveis opções de dieta Low Carb em níveis variados, mas a aderência ainda é muito aquém do que poderia ser por não ter sido encontrado pelo binômio “médico-paciente” o entendimento pleno. É um trabalho de longo prazo e contínuo.

Por que até hoje a gordura ainda é tão demonizada e o açúcar segue sendo tão protegido?

Conceitos muito sedimentados por campanhas muito fortes e a sensação geral de senso comum, de fato e verdade inquestionáveis. Há necessidade de uma longa explicação de como se chegou neste ponto com fatos importantes ocorridos desde o início do século passado e momentos cruciais nas décadas de 50, 60, 70. A enorme maioria de nós cresceu “sabendo” que gordura faz mal. Difícil se livrar do que parece ser verdade escrita “na pedra”.

Qual conselho daria para um jovem estudante de Medicina que pretende atuar como Cardiologista?

Eu diria para um estudante que quer ser cardiologista para ele estudar muito e sempre ter uma visão crítica, quase no limite da desconfiança, sobre o que lê, ainda que sejam informações vendidas como verdades inquestionáveis. Não gosto da frase que diz que “em medicina as verdades são transitórias”; prefiro a que diz que “a verdade é sempre uma só e sempre existe, o problema é que as vezes não nos ensinam, não a procuramos, ou não a identificamos”.

Na sua opinião, quais disciplinas faltam em uma universidade de Medicina?

Não sou especialista em educação para opinar de forma profunda sobre esta questão, mas creio que seriam úteis disciplinas que envolvessem formação em gestão e aprofundamento de conhecimentos que estimulassem a visão crítica das informações recebidas.

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