08.10.21

Gordura saturada, colesterol e risco cardiovascular

À luz das evidências científicas, ainda se justifica o receio de consumir gordura saturada? Convidamos o cardiologista Dr Ricardo Mattos Ferreira para responder essa pergunta, esclarecer sobre o temido LDL-colesterol e contextualizar a estratégia Low Carb dentro da saúde cardiovascular

Artigo

Por Dr. Ricardo Mattos Ferreira (Cardiologista) *

As dietas de baixo carboidrato têm ganhado cada vez mais espaço nos consultórios de médicos e nutricionistas. No entanto, o consumo de uma maior quantidade de gorduras saturadas, que habitualmente acontece nestas dietas, ainda é motivo de receio para alguns pacientes e profissionais de saúde. A preocupação, neste caso, se deve a um possível aumento dos níveis de LDL-colesterol que pode decorrer do maior consumo dessas gorduras. Mas será que à luz das evidências científicas atuais esse receio ainda se justifica? Para responder essa pergunta é preciso entender um pouco mais sobre o LDL-colesterol e suas nuances.

O LDL (low density lipoprotein) é uma das lipoproteínas que circulam em nosso sangue. Produzidas pelo fígado, as lipoproteínas são os veículos de transporte do colesterol e de triglicerídeos (TG), que, por serem lipídios, não se diluem no meio aquoso da corrente sanguínea. Esse trânsito de lípides é fundamental para nosso corpo, pois colabora em funções biológicas essenciais: composição estrutural de membranas, produção de hormônios e vitaminas, atividades do sistema imune, fornecimento e reserva de energia, entre outras.

O fato é que o LDL-colesterol é também conhecido pela alcunha de “colesterol ruim”, pois participa ativamente do processo de aterosclerose. Uma vez que penetra no endotélio vascular, o LDL oxidado acaba servindo como matéria prima para a formação das placas de ateroma. A progressão ou instabilidade dessas placas resulta em obstrução da luz arterial, culminando em complicações cardiovasculares como, por exemplo, o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral.

No entanto, hoje sabemos que existem diferentes tipos de LDL, catalogados de acordo com o tamanho de sua partícula, e que nem todos têm o mesmo potencial aterogênico. Para simplificar podemos dividir em dois padrões: padrão A, no qual predomina o LDL grande e flutuante, e o padrão B, em que predomina no LDL pequeno e denso. Diversos estudos na literatura já evidenciaram que o predomínio de LDL pequeno e denso (padrão B) denota um maior potencial aterogênico. Dessa forma, dois pacientes com mesmo valor de LDL-colesterol podem ter um risco cardiovascular totalmente diferente, a depender do padrão de LDL que está predominando(1). Estudos que buscaram avaliar a associação dos padrões de LDL com a progressão de aterosclerose, aferida através de exames de imagem como escore de cálcio coronário e dúplex de carótidas, revelaram que apenas o LDL pequeno e denso, e não o LDL grande, está positivamente associado com a progressão da aterosclerose coronariana(2).

Mas quais fatores determinam o padrão do nosso LDL-colesterol? Um dos principais determinantes é o contexto de saúde metabólica. Conhecemos hoje que o predomínio do LDL pequeno e denso (padrão B) é também um marcador de resistência à insulina, motivo pelo qual esse padrão é habitualmente encontrado em pacientes com diabetes ou síndrome metabólica. Além disso, estudos científicos têm nos ajudado a entender melhor a influência da alimentação no perfil lipídico e no LDL-colesterol. Diferentemente do que se imagina, essa influência não é apenas quantitativa, mas também qualitativa. Ou seja, a dieta interfere não apenas nos níveis de colesterol, mas também no tamanho das partículas das lipoproteínas(3).

Hoje sabemos que gordura saturada, dentro de um contexto de alimentação baixa em carboidratos, promove uma mudança no padrão de LDL com redução do LDL pequeno e aumento proporcional do LDL grande, conferindo então um padrão potencialmente menos aterogênico(4,5). Outros benefícios observados são a redução dos triglicerídeos, elevação do HDL (“colesterol bom”) e melhora na relação ApoB/ApoA1(5,6). 

Um fato curioso é que a influência da dieta sobre o padrão de LDL já é conhecida há muito tempo. Estudos de mais de 20 anos atrás (sim, eu disse 20 anos!) já mostravam uma clara correlação entre a maior proporção de carboidratos na dieta e a presença de LDL padrão B, mais aterogênico (veja a figura abaixo, de uma publicação científica de 1999).

Além dos efeitos citados acima, relacionados ao perfil lipídico, é preciso mencionar que estudos clínicos com dietas de baixo carboidrato já mostraram benefícios no controle de pressão arterial, redução de gordura visceral e melhora de marcadores de inflamação – todos estes conhecidos fatores de risco cardiovascular.

Dessa forma, parece evidente que nas dietas de baixo carboidrato, ainda que em alguns casos haja um aumento dos níveis de LDL, a mudança favorável no padrão de lipoproteínas somada a melhora concomitante de inúmeros outros marcadores de risco produz uma resultante de efeitos que aponta para redução de risco cardiovascular. Junte a isso o fato das estratégias Low Carb estarem revolucionando o tratamento do diabetes tipo 2, possibilitando muitas vezes a reversão dessa condição, e dessa forma diminuindo sobremaneira o risco cardiovascular de milhares de pacientes.

Com isso, chegamos ao seguinte paradoxo: enquanto diretrizes de diabetes já recomendam dietas de baixo carboidrato como opção de tratamento, diretrizes de cardiologia seguem mantendo restrições severas ao consumo de gordura saturada que dificultam a adoção desse tipo de estratégia. Precisamos entrar em um acordo e parar de confundir os pacientes. Alimentos de origem animal, contendo gordura saturada, já fazem parte da dieta humana há milhares de anos. Dentro de um contexto apropriado, podem e devem fazer parte de uma alimentação saudável.

Chegou o momento de as diretrizes perceberem que quando se trata de diabetes e doença cardiovascular, as dietas de baixo carboidrato fazem parte da solução e não do problema.


* Sobre o autor: o Dr. Ricardo Mattos Ferreira é graduado em Medicina pela FMB Unesp, com residência em Cardiologia Clínica e Ecocardiografia pela FMB Unesp e Doutorado em Fisiopatologia em Clínica Médica pela FMB Unesp.

Referências:

1. Hoogeveen RC, Gaubatz JW, Sun W, Dodge RC, Crosby JR, Jiang J, Couper D, Virani SS, Kathiresan S, Boerwinkle E, Ballantyne CM. Small dense low-density lipoprotein-cholesterol concentrations predict risk for coronary heart disease: the Atherosclerosis Risk In Communities (ARIC) study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2014 May;34(5):1069-77.

2. Ceponiene I, Li D, El Khoudary SR, Nakanishi R, Stein JH, Wong ND, Nezarat N, Kanisawa M, Rahmani S, Osawa K, Tattersall MC, Budoff MJ. Association of Coronary Calcium, Carotid Wall Thickness, and Carotid Plaque Progression With Low-Density Lipoprotein and High-Density Lipoprotein Particle Concentration Measured by Ion Mobility (From Multiethnic Study of Atherosclerosis [MESA]). Am J Cardiol. 2021 Mar 1;142:52-58.

3. Froyen E. The effects of fat consumption on low-density lipoprotein particle size in healthy individuals: a narrative review. Lipids Health Dis. 2021 Aug 6;20(1):86.

4. Athinarayanan SJ, Hallberg SJ, McKenzie AL, Lechner K, King S, McCarter JP, Volek JS, Phinney SD, Krauss RM. Impact of a 2-year trial of nutritional ketosis on indices of cardiovascular disease risk in patients with type 2 diabetes. Cardiovasc Diabetol. 2020 Dec 8;19(1):208.

5. Ebbeling CB, Knapp A, Johnson A, Wong JMW, Greco KF, Ma C, Mora S, Ludwig DS. Effects of a low-carbohydrate diet on insulin-resistant dyslipoproteinemia-a randomized controlled feeding trial. Am J Clin Nutr. 2021 Sep 28:nqab287.

6. Astrup A, Magkos F, Bier DM, Brenna JT, de Oliveira Otto MC, Hill JO, King JC, Mente A, Ordovas JM, Volek JS, Yusuf S, Krauss RM. Saturated Fats and Health: A Reassessment and Proposal for Food-Based Recommendations: JACC State-of-the-Art Review. J Am Coll Cardiol. 2020 Aug 18;76(7):844-857.

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