17.07.20

Rins, proteína e low carb: entrevista exclusiva com Dr José Neto

Entrevista

Em um bate papo exclusivo com o Dr. José de Resende Barros Neto, o médico nefrologista esclareceu dúvidas sobre a relação entre as funções renais e o consumo de proteína, e sobre como a mudança na sua estratégia alimentar pessoal impactou em sua saúde e no atendimento dos seus pacientes. Diretor Científico da Sociedade Mineira de Nefrologia e Diretor de Inovação, Ensino e Pesquisa do Grupo NefroClínicas, Dr José Neto é um dos palestrantes confirmados no seminário Brasil Low Carb Floripa 2021, em março. Confira a entrevista:

Vamos começar pelo começo: por que se difundiu tanto a informação – que até pouco tempo atrás era uma verdade absoluta – sobre proteína causar lesão nos rins?

Esse mito provavelmente advém de meados do século XX, quando ainda não tínhamos todo esse arsenal terapêutico para tratar os pacientes com problemas renais. Era quando estavam iniciando a falar sobre hemodiálise, transplante de rins… então, até a década de 70, década de 80, o que estava ao alcance dos médicos era reduzir a proteína em pacientes que já tinham lesão renal avançada. Ou seja, criou-se uma falácia lógica: de que, quando um paciente tem um problema renal, se eu tiro a proteína talvez o inverso fosse verdadeiro também, de a proteína causar a lesão renal. E isso tem algum lastro fisiopatológico, porque é verificado um aumento da filtração pelos rins quando se dá uma carga maior de proteína. É um mecanismo de lesão que a gente vê também em uma situação bastante comum de perda renal como o diabetes. Mas o fato é que nenhum trabalho, até então, conseguiu demonstrar isso ser verdadeiro e, inclusive, a realidade corrobora isso: nunca vi ninguém em diálise porque comeu muita proteína. Eu costumo brincar que ninguém faz diálise porque comeu muito bife com ovo.

A partir de quando passou a questionar essa teoria – de que proteína lesionava os rins – e ir em busca de outras fontes e evidências mais atualizadas?

Meu questionamento veio por uma situação até egoísta: por volta dos 30 e poucos anos eu me descobri diabético. O diabetes não estava completamente descontrolado, mas um diabetes tipo 2, associado a síndrome metabólica e sobrepeso. Felizmente me foi apresentada a estratégia de baixo carboidrato. Eu tive uma resistência inicial, mas depois fui estudar e vi que aquilo – a dieta – fazia sentido. Comecei a aplicar e a partir dali foi apenas o “fio do novelo”; comecei a descobrir que boa parte, senão quase tudo que eu acreditava em relação à alimentação, era com base em mitos e pouca verdade. Eu já estudava há muito tempo medicina baseada em evidências, e isso acabou me ajudando muito a ratificar as informações que estavam “escondidas” nesse universo de informações da atualidade.

Esse novo olhar impactou de imediato no atendimento dos seus pacientes?

Impactou inicialmente na minha vida pessoal, e logo comecei a influenciar familiares e amigos próximos… até que em um certo momento, sim, chegou no meu consultório. Lembro de uma senhora que eu já acompanhava há algum tempo chegando ao meu consultório, para um retorno, e trouxe em mãos um receituário meu, no qual estava indicado para reduzir o consumo de proteínas e de gordura – porque era, até então, o que eu acreditava ser o correto. Lembro de pedir desculpas a ela, explicando que novos estudos pessoais me levaram a crer que boa parte do que era dito não estava certo. Assim, pude ajustar a alimentação da paciente para algo mais próximo do que hoje considero uma alimentação saudável. Mas claro que levamos em consideração a função renal; em pacientes com a função renal mais deteriorada eu acabo “segurando” um pouco na proteína, mas isso não significa tirar totalmente. Não que a proteína cause a lesão, mas quando o rim está muito doente ele acaba não tolerando uma quantidade muito grande de proteína.

Há resistência na classe médica para “aceitar” esse novo olhar, essa nova interpretação das evidências disponíveis?

Mudar o senso comum nunca é fácil. É mais fácil você criar um mito do que você desmentir, desfazer um mito. Ao longo dos últimos 30/40 anos esse mito – de que proteína lesiona os rins – foi criado, eu aprendi isso na faculdade de Medicina, na residência de clínica, na residência de Nefrologia; não só eu como os outros nefrologistas também. Não vou dizer que não tive resistência dos colegas médicos, mas foi pouca, acredito que muito pelo fato de uma certa falácia de autoridade que eu já tinha. Quando comecei a falar sobre o assunto eu já era coordenador de um grande serviço aqui em Belo Horizonte, já tinha sido presidente do Congresso Mineiro de Nefrologia, já tinha sido presidente da Sociedade Mineira de Nefrologia… enfim, já tinha uma expressão na área, tanto regionalmente como nacionalmente. Isso reduziu pelo menos os ataques “visíveis” (risos), mas isso faz parte, pois discussões científicas de alto nível são salutares.

Pacientes que já apresentem lesão renal precisam reduzir a ingestão de proteínas?

Gosto muito de responder isso fazendo uma analogia com a doença cardíaca e a atividade física. A atividade física é algo que faz bem para o coração, mas se o paciente tem uma doença cardíaca muito grave talvez ele não possa nem fazer atividade física ou vai precisar reduzir drasticamente. Mas o que poderá causar a morte dele não é a atividade física, é o coração que já está muito ruim. A mesma coisa com os rins: com os rins muito doentes, naquela fase próxima da diálise, talvez valha à pena uma restrição de proteína um pouco mais significativa. Mas essa situação é “ponto da pirâmide”, é um subgrupo muito pequeno, e isso requer algo muito individualizado, junto com um nutricionista, para identificar a tolerância daquele paciente para um maior ou menor teor proteico na dieta.

Em seu blog o Dr. diz que já chegou a “jogar pedras” no Dr. Robert Atkins, tendo como base, na época, o senso comum… O que mudou neste sentido?

Isso mudou meu modo de criticar algo que eu não conhecia minimamente. Quando fiz essa crítica a ele eu sequer tinha lido ou estudado a respeito; estava só repetindo padrão. Foi uma mudança de mindset pessoal, passei a ser mais humilde. Em minhas palestras eu peço desculpas publicamente ao Dr Atkins.

É verdade que há evidências inclusive de que a proteína pode proteger os rins?

As evidências são ainda fracas, indiretas, mas de uma certa maneira a população mundial em diálise, cerca de 60%, e no Brasil não é diferente, está ali basicamente em função de pressão alta e diabetes – muitos deles andando de braços dados com a obesidade. Considerando isso – estamos falando de 2/3 da população dialítica –, quando eu faço uma dieta que tende a ter um pouco mais de proteína as evidências sugerem que esses pacientes fiquem metabolicamente melhores. Então, indiscutivelmente, é possível imaginar que essa dieta mais rica em proteínas poderia estar protegendo os rins. Mas longe de mim querer recomendar o consumo de proteínas para este fim, principalmente por meio de suplementação. Mas acho bem pouco provável que você precise ficar medindo quanto de proteína está ingerindo, principalmente se isso está advindo de comida de verdade (carne, ovos…), e não de pó. Cada vez mais eu vejo o macronutriente proteína como o principal macronutriente para o ser humano no sentido de ser, aparentemente, um definidor de limiar do consumo de energia.

Avatar Brasil Low Carb

Por

Brasil Low Carb


www.brasillowcarb.com.br

Marcar consulta Conheça
Selo

Receba nossas
novidades
e conteúdos

Preencha seus dados


    Ao assinar você automaticamente concorda com a nossa Política de Privacidade e Política de Cookies.