21.09.21

Dia Mundial do Alzheimer: a relação entre a doença neurológica e a resistência à insulina

Médico psiquiatra aborda o crescimento dos casos de Alzheimer inclusive entre pacientes mais jovens e aponta evidências da forte associação da doença com o estado de resistência à insulina; dieta pobre em carboidratos, como a cetogênica, pode ser "ferramenta bastante útil" no tratamento

Artigo

No dia 21 de setembro de 1994, por ocasião da abertura da Jornada Anual da ADI (Alzheimer’s Disease International), e na celebração dos 10 anos desta organização, foi instituído o Dia Internacional da Doença de Alzheimer. Este é o tipo mais frequente de demência, uma condição que afeta diferentes áreas do funcionamento neurológico e psíquico dos indivíduos. Os sintomas podem variar bastante de pessoa para pessoa, mas comumente há progressiva perda de memória, especialmente para fatos recentes, assim como dificuldade para realizar tarefas do dia-a-dia, como escolher roupas e cozinhar, por exemplo. Ainda, pode haver dificuldades com a linguagem (como problemas para lembrar e escolher palavras), desorientação, e outros sintomas como alterações de humor, diminuição do juízo crítico, que vão comprometendo progressivamente as relações sociais e a capacidade laborativa.

Ao longo do tempo, a Doença de Alzheimer tem sido considerada como tendo uma causa predominantemente genética, com início das suas manifestações em geral ao redor da oitava década de vida e um curso progressivo e crônico, acarretando uma carga emocional significativa para os pacientes e familiares. Muitos anos e investimentos em pesquisas para o desenvolvimento de medicações para o tratamento desta condição têm resultado em alternativas menos eficazes do que o desejado. Os medicamentos disponíveis atualmente proporcionam efeitos pouco significativos em grande parte dos casos, sendo pouco eficazes em reverter ou mesmo interromper a progressão da doença.

Nas últimas décadas, tem se visto uma mudança no padrão de apresentação desta doença. Pessoas cada vez mais jovens, muitas vezes na sexta e sétima décadas de vida, têm começado a apresentar os primeiros sinais e sintomas desta condição, algo previamente muito pouco frequente. Esse fato está congruente com outras doenças que também têm tido seu início em idades bastante mais precoces do que anteriormente, como por exemplo o Diabetes tipo 2. Nos últimos anos temos visto um aumento nas publicações científicas nesta área, com novas descobertas jogando luz a esta condição, e abrindo novas possibilidades tanto de entendimento com relação a possíveis causas e fatores de gravidade, como também possíveis novas opções terapêuticas nesta área tão carente de boas ferramentas de tratamento.

Talvez o achado mais contundente seja a forte associação da Doença de Alzheimer com o estado de resistência à insulina. Resistência à insulina é provavelmente a alteração metabólica mais prevalente e devastadora das últimas décadas, por dois motivos em especial. O primeiro é que esta condição está na base (como causa ou fator de gravidade) da maior parte das doenças que mais matam, como a doença cardiovascular (infarto, AVC, por exemplo), diabetes tipo 2, obesidade, diversos tipos de câncer e a própria doença de Alzheimer. O segundo é o fato de que, infelizmente, a imensa maioria dos médicos e profissionais de saúde não tem por hábito investigar e tratar esta condição. Ao contrário, o que aprendemos nas faculdades e residências médicas é a pesquisar as doenças já instaladas e tratá-las, quase invariavelmente com combinações de medicações.

Em linhas gerais, o estado de resistência à insulina faz com que diferentes órgãos e tecidos do corpo passem a não responder adequadamente aos estímulos deste hormônio, com diferentes consequências a depender do local atingido. É sabido que órgãos e tecidos como o fígado, o tecido adiposo, e o tecido muscular, por exemplo, podem desenvolver resistência à insulina em determinadas condições. O que as pesquisas mais recentes têm demonstrado é que este fenômeno também pode acontecer em nível cerebral, com consequências específicas. A insulina é um elemento essencial para que as diferentes células do nosso cérebro possam produzir energia; se há resistência à insulina nessas células, a produção de energia pelo cérebro está comprometida. O que cada vez mais parece acontecer na doença de Alzheimer é um cérebro que, apesar de ter glicose suficiente e por vezes até em níveis muito altos, está “passando fome” por não conseguir usar este combustível para produção adequada de energia.

Aqui vale uma breve revisão sobre a fisiologia energética cerebral. O cérebro humano é capaz de usar dois substratos diferentes para a produção de energia: glicose e corpos cetônicos. Os corpos cetônicos são um dos produtos do metabolismo das gorduras pelo fígado, e são a marca da dieta Cetogênica (em que há a produção de quantidades significativas destas substâncias em decorrência do estilo de alimentação). Até aproximadamente 60-70% da energia requerida pelo cérebro humano pode ser extraída dos corpos cetônicos se estes estiverem disponíveis. Vale lembrar que toda a glicose necessária para o funcionamento cerebral, como de resto de todo o corpo, é produzida pelo fígado através do processo chamado gliconeogênese, sem a necessidade do consumo de quantidades significativas de carboidratos na nossa alimentação.

Pesquisas recentes, incluindo uma revisão sistemática e um pequeno estudo de intervenção (ensaio clínico randomizado) mostraram que a presença de cetose significativa, por meio de uma dieta Cetogênica ou por suplementação de corpos cetônicos, foram capazes de produzir melhoras em áreas como qualidade de vida e atividades diárias. São estudos ainda pequenos, mas bastante promissores, dada a ausência de tratamentos minimamente efetivos atualmente.

Uma interessante pesquisa recente realizada pelo grupo do Prof. Benjmain Bikman (Brigham Young University, EUA) analisou o material genético post mortem do hipocampo de cérebros de pessoas com Alzhemier e de controles (indivíduos sem a doença). O hipocampo é o chamado “centro da memória” no cérebro, e sua anatomia e função estão alterados em indivíduos com a doença. O que o grupo do Prof. Bikman encontrou foi que no hipocampo de cérebros de indivíduos com a doença, praticamente todos os genes relacionados ao metabolismo da glicose estavam com sua expressão diminuída. Ao contrário, praticamente todos os genes relacionados ao metabolismo dos corpos cetônicos estavam com sua expressão preservada.

Embora deva-se dizer que ainda não há estudos de intervenção robustos, que teriam a capacidade de “bater o martelo” em favor da utilidade das dietas Cetogênicas em pessoas com Alzheimer, penso que pode-se dizer que o que a ciência mostra atualmente em termos da eficácia desta intervenção para diferentes condições neurológicas, associado aos estudos que já existem na doença de Alzheimer e ao baixo risco desta intervenção (se bem acompanhada e implementada) justificam um lugar para esta estratégia na “caixa de ferramentas” para o tratamento desta condição.

Há ainda uma outra consequência destes achados de pesquisas, que diz respeito à prevenção. Sabe-se que fatores como atividade física regular, leitura, bons vínculos familiares e de amizade, não fumar, são fatores de proteção contra a doença de Alzheimer. O que a ciência tem sugerido, é que o controle e a reversão dos estados de resistência à insulina muito provavelmente são grandes fatores de proteção contra a doença. A importância disso é que, em pessoas com essa alteração metabólica já instalada, as chances de reversão são muito grandes, e o que sabemos hoje é que as intervenções alimentares são as mais eficazes para produzir este efeito.

Tudo isso proporciona a profissionais da saúde e pessoas em geral novas ferramentas que possivelmente são bastante úteis – tanto para detectar pessoas com risco aumentado da doença (por apresentarem quadro de resistência à insulina) e reverter este risco, quanto para tratar pessoas que já começaram a apresentar sintomas do quadro clínico instalado.

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Por

Dr. Régis Chachamovich

Psiquiatra e Psicoterapeuta


Psiquiatra e Psicoterapeuta, com atuação em Psiquiatria Nutricional, e sócio do Movimento Brasil Low Carb. Régis Chachamovich é especialista em Prática Clínica Low Carb High Fat / Keto, Reversão do Diabetes e Reversão da Obesidade pela The Noakes Foundation (África do Sul), e possui formação em Low Carb / Keto no tratamento de Doenças Mentais.

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