05.05.20

Covid-19 e o elefante na sala

* Artigo publicado originalmente pelo Telegraph em 16/04/2020.

Artigo

Para o médico britânico Aseem Malhotra, “a obesidade é a verdadeira assassina por trás da Covid”

A obesidade e a doença metabólica crônica estão matando pacientes da Covid-19: agora é a hora de comer comida de verdade, proteger o sistema nacional de saúde e salvar vidas.

Por Aseem Malhotra

Um problema do sistema de saúde

Na semana passada, perguntei a um amigo próximo, diretor de pesquisa e médico clínico sênior em um dos serviços de emergência mais movimentados de Nova York, como estava lidando com o surto do coronavírus.

“Uma situação terrível. Nosso sistema de saúde, já quebrado, está à beira do colapso. Por favor, reze por nós”, respondeu ele.

A mídia, em geral, tem questionado: como o Reino Unido, entre as nações mais ricas do mundo, demorou a reagir ao conselho emitido pela Organização Mundial da Saúde em 31 de janeiro?

A tomada de decisão tardia na adoção da quarentena acarretou a falta de equipamentos vitais de proteção pessoal, e na falta de testes para determinar as verdadeiras taxas de mortalidade por infecções, bem como implementar a mitigação e o gerenciamento racional (1). Para a COVID-19, a prevenção não é melhor do que a cura, a prevenção é a cura, pelo menos para o futuro previsível. Parece que as mortes desproporcionais de funcionários da linha de frente, sem proteção adequada, revelaram exposição inadequada à alta carga viral dos pacientes, e podem estar ligadas a doenças mais graves.

Na Grã-Bretanha, a principal razão para o bloqueio e o distanciamento social tem sido proteger o sistema de saúde (NHS) de ser sobrecarregado pelo resultado da dispersão do novo vírus, que é significativamente mais contagioso, assim como várias vezes mais mortal do que a taxa de mortalidade por infecção, que fica em torno de 0,1% para a gripe comum (2).

Por outro lado, devemos também lidar com os efeitos adversos dessas medidas sobre a saúde da população e a economia. Até que ponto a prisão domiciliar faz mais bem do que mal? (3)

Mas o elefante na sala é o fato de que a saúde geral, em muitas populações ocidentais, já estava em estado horrível, para começar. No Reino Unido e nos EUA, mais de 60% dos adultos estão acima do peso ou obesos. Como isso é relevante para a COVID-19?

Obesidade, a verdadeira assassina por trás da COVID

É bem conhecido na literatura médica que o excesso de gordura corporal induz à desregulação imunológica e à inflamação crônica, que estão diretamente ligadas à tempestade de citocinas – responsável pela Síndrome do Sofrimento Respiratório Agudo, presente na gripe e em outros vírus respiratórios. (4)

Por exemplo, em 2009, 61% dos pacientes internados num hospital na Califórnia que morreram de Influenza A H1N1 eram obesos, o que era 2,2 vezes maior do que a prevalência de obesidade na população do estado. A análise multivariada sugeriu que a obesidade era um novo fator de risco para a mortalidade pelo vírus. (5) Além disso, os adultos obesos permaneceram infectados pelo vírus da influenza A num período 42% mais longo do que os indivíduos não obesos, sugerindo um papel adicional na transmissão. (6)

Dados dos primeiros 2204 pacientes internados em 286 UTIs do NHS com COVID-19 revelam que 72,7% deles estavam acima do peso ou obesos. (7)

Vários anos atrás, um conselheiro sênior expressou para mim grande preocupação com o então prefeito de Londres, Boris Johnson. “Estou preocupado com a saúde dele, Aseem. Ele está significativamente acima do peso e não me parece bem.” Isso apesar do fato de Boris estar trabalhando regularmente no escritório na Prefeitura. Não existe essa coisa de ser gordo e saudável. (8)

Não devemos ignorar o fato de que 50-60% dos 1,4 milhões servidores da saúde no Reino Unido estão com sobrepeso ou obesidade também. Não é surpresa, uma vez que mais da metade da dieta britânica é formada por alimentos ultra processados (9) e três quartos dos alimentos comprados em hospitais não são saudáveis. (10) A Coréia do Sul, que tem uma das menores prevalências de obesidade no mundo, poderia, em parte, explicar sua baixa taxa de mortalidade pelo vírus.

Mas, mais clinicamente importante do que o IMC, atrelado à circunferência da cintura, é a prevalência de doença metabólica crônica que pode afetar muitos com peso considerado “normal”. Além disso, a obesidade com sarcopenia pode classificar erroneamente muitos pacientes idosos, por terem IMC normal na internação hospitalar com COVID-19. Apenas 12,2 % dos adultos americanos são considerados metabolicamente saudáveis, com menos de um terço das pessoas com peso normal também nesta categoria (11). É provável que as estatísticas não sejam diferentes no Reino Unido. Além disso, pessoas com peso normal, mas com desordem metabólicas, apresentam risco mais ao triplo daqueles que têm peso normal e que são metabolicamente saudáveis, quando considerada a mortalidade por todas as causas e eventos cardiovasculares. Não existe um peso saudável, existe uma pessoa saudável.

Diabetes e Síndrome metabólica acentuam o risco

Um comentário recente na revista Nature afirma que “pacientes com Diabetes tipo 2 e Síndrome Metabólica podem ter risco de morte até 10 vezes maior quando contraem COVID-19”, e pediu a obrigatoriedade de controle metabólico e de glicose em pacientes com Diabetes tipo 2, como forma de melhorar os resultados. Os autores também sugerem que tornar isso uma prioridade em todos os pacientes com COVID 19 será benéfico. (12) É instrutivo notar que o número desproporcional daqueles de origem negra e de minorias étnicas que sucumbiram ao vírus pode, em parte, ser explicado por um risco significativamente aumentado de doença metabólica crônica nesses grupos. Por exemplo, aqueles de origem sul-asiática que vivem Reino Unido e são acometidos com Diabetes tipo 2 é 2,5 a 5 vezes mais prevalente em comparação com os caucasianos, o mesmo ocorrendo naqueles de ascendência afro-caribenha, com índice de prevalência superior a 3.

A Saúde Pública da Inglaterra afirmou que este é o melhor momento para parar de fumar, citando pesquisas da China, que concluíram que fumantes apresentam 14 vezes mais chances de contrair doenças graves depois de contrair o COVID-19 (13). Mas por que não pedir ao público para “parar com o consumo de alimentos ultra processados”? Estudos observacionais revelaram uma clara ligação entre o consumo desses alimentos com obesidade, doença metabólica e câncer (14). Uma pesquisa recente com controle randomizado recente, muito bem planejada, revelou uma diferença de 2 kg de peso no prazo de duas semanas, entre os participantes que consumiram um plano de dieta ultra processado versus um plano de dieta minimamente processado (15). As alterações alimentares também são conhecidas por reduzir rapidamente e substancialmente a morbidade e a mortalidade cardiovascular. (16).

Entre 25 a 50% daqueles pacientes com Diabetes tipo 2 podem melhorar significativamente o controle glicêmico, a pressão arterial e enviar sua condição para a remissão, com a adoção de uma dieta de baixo carboidrato (sem precisar contar calorias) num intervalo de semanas a alguns meses (17) (18). Se este não é o momento para a Grã-Bretanha reverter sua epidemia de Diabetes tipo 2, que, individualmente, tem sido a doença de maior custo para o NHS, então, quando será?

Os sistemas de saúde já estavam sobrecarregados antes do COVID-19 por causa de décadas de má distribuição de recursos, devido à “medicina excessiva”, combinada com nossa falha coletiva em implementar mudanças políticas para abordar a causa raiz das doenças relacionadas à dieta: o inevitável ambiente de “junk food” (porcaria).

A mensagem para “ficar em casa”, emitida pelo governo e reforçada pela mídia, com o objetivo de proteger o NHS e salvar vidas tem sido poderosa e eficaz. Dada a velocidade com que os marcadores de saúde para doenças metabólicas melhoram a partir de intervenções dietéticas, uma mensagem de saúde igualmente forte, se não mais significativa, deve ser agora: “comer alimentos de verdade, proteger o NHS e salvar vidas”. Tal implementação, apoiada por mudanças políticas, pode não apenas salvar centenas e, potencialmente, milhares de vidas em todo o mundo nos próximos meses. Considerada a alta probabilidade de outra pandemia viral internacional na próxima década, uma população mais saudável e um serviço de saúde subsequentemente mais gerenciável, nos permitirão estar muito mais bem equipados para lidar com o que seria, então, um pico de mortalidade menor nesta próxima ocasião. Espero que, se e quando isso ocorrer, um bloqueio ou quarentena, não seja necessário.

  • (1)  https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30727-3/fulltext
  • (2)  https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200306-sitrep-46-covid-19.pdf?sfvrsn=96b04adf_4
  • (3)  https://www.statnews.com/2020/03/17/a-fiasco-in-the-making-as-the-coronavirus-pandemic-takes-hold-we-are-making-decisions-without-reliable-data/
  • (4) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4717890/pdf/an010207.pdf
  • (5)  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21208911
  • (6)  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6151083/
  • (7) file:///C:/Users/User/AppData/Local/Microsoft/Windows/INetCache/IE/2H1KN739/ICNARC%20COVID-19%20report%202020-04-04.pdf.pdf
  • (8)  https://academic.oup.com/eurheartj/article/39/17/1514/4937957
  • (9)  Rauber F, da Costa Louzada ML, Steele EM, Millett C, Monteiro CA, Levy RB. Ultra-
  • Processed Food Consumption and Chronic Non-Communicable Diseases-Related Dietary
  • Nutrient Profile in the UK (2008−2014). Nutrients. 2018;10(5):587.
  • (10)  https://www.theguardian.com/society/2019/may/22/food-bought-nhs-hospitals-unhealthy-audit-shows-crisps-sweets-cakes
  • (11)  Araújo J, Cai J, Stevens J. Prevalence of Optimal Metabolic Health in American Adults: National Health and Nutrition Examination Survey 2009–2016. Metabolic Syndrome and Related Disorders, 2018; DOI: 10.1089/met.2018.0105
  • (12)  https://www.nature.com/articles/s41574-020-0353-9
  • (13)  https://www.gov.uk/government/news/smokers-at-greater-risk-of-severe-respiratory-disease-from-covid-19
  • (14)  https://archive.wphna.org/wp-content/uploads/2016/01/WN-2016-7-1-3-28-38-Monteiro-Cannon-Levy-et-al-NOVA.pdf
  • (15)  Hall KD, Ayuketah A, Brychta R, et al. Ultra-Processed Diets Cause Excess Calorie Intake and Weight Gain: An Inpatient Randomized Controlled Trial of Ad Libitum Food Intake [published correction
  • (16) https://openheart.bmj.com/content/2/1/e000273
  • (17) https://link.springer.com/article/10.1007/s13300-018-0373-9
  • (18) https://www.mdpi.com/1660-4601/16/15/2680 

Sobre o autor:

O Dr. Aseem Malhotra é um cardiologista consultor honorário do Lister Hospital em Stevenage, Reino Unido, assim como professor de Medicina Baseada em Evidência no Escola de Medicina Pública da Bahia, em Salvador. É membro fundador da Action on Sugar e tem liderado trabalhos que ressaltam o mal causado pelo excesso do consumo de açúcar no Reino Unido, particularmente seu papel nocivo na obesidade e diabetes tipo 2. Tem se destacado em desafiar no prevalente, porém totalmente superado, aconselhamento quanto ao papel da gordura e do colesterol nas doenças cardiovasculares. Em 2015 coordenou a campanha “Escolhendo com Sabedoria” da Academia Real de Escolas Médicas (AoMRC) como autor principal de um artigo publicado no British Journal of Medicine, sobre os riscos da medicação excessiva na clínica médica. No mesmo ano tornou-se o membro mais jovem a ser escolhido para um conselho de curadores no serviço de saúde do Reino Unido, o “think tank” Fundo Real, que aconselha o governo em políticas de saúde. Malhotra é um frequente comentador especialista na imprensa internacional e tem diversas publicações no BMJ, The Guardian, Observer, BBC Online, Huffington Post, The Daily Mirror, Daily Mail, The Daily Telegraph e no The Washington Post.

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